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‘Somos desiguais até no envelhecer’

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População negra não usufrui de seu direito à velhice, conclui Fórum sobre Violência Contra a Pessoa Idosa e Igualdade Racial na Velhice.

 

* por Silvia Pereira Pelegrina

 

Responda rápido: quanto idosos negros você conhece ou simplesmente vê pelas ruas, no supermercado, no shopping center ou mesmo em instituições de longa permanência de idosos?

É provável que sua resposta encontre explicação em estatísticas oficiais muito pouco conhecidas no Brasil: os idosos negros representam apenas 7,9% das pessoas com mais de 60 anos do País – pardos representam 35,3% e brancos 55,1%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eles vivem menos: segundo o mesmo IBGE, a expectativa de vida da população negra é de 67,5 anos, enquanto da branca é de 73. A maior parte dos óbitos neonatais, no Brasil, é de crianças negras (pretas e pardas) e essa população também sofre mais com a violência durante a juventude, somando 70% das vítimas de homicídio. Ou seja, conseguir envelhecer nesse cenário é uma vitória.

“A população negra não tem o direito de envelhecer no Brasil”, constata a terapeuta ocupacional e mestre em gerontologia Vanessa Idargo Mutchnik. Desde 2003 trabalhando com envelhecimento da população mais frágil, ela diz que esse tema faz parte de seu dia-a-dia, por isso sentiu necessidade de levá-lo ao Grupo Mulheres do Brasil, no qual é co-líder, ao lado de Izumi Tabet, do Comitê 60+.

Por iniciativa conjunta dos comitês 60+ e Igualdade Racial, o assunto foi apresentado durante o Fórum de Conscientização sobre a Violência Contra a Pessoa Idosa e Igualdade Racial na Velhice, realizado no último dia 5 de setembro, com participação da coordenadora da Área Técnica de Saúde do Idoso da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Claudia Flo, e da tecnóloga em eletrônica, teóloga e empresária integrante do Comitê de Igualdade Racial do Grupo, Janete da Costa Pedro Nogueira da Luz, com mediação da advogada e mestre em Gerontologia Social, Alessandra Negrão Elias Martins.

O propósito, segundo Vanessa, foi tirar esse assunto da invisibilidade. Dados apresentados durante o fórum demonstraram que, na raiz desse quadro de desigualdade na velhice, estão condições socioeconômicas históricas e violência contra a pessoa idosa. “Quando a gente leva a informação para as pessoas, elas se conscientizam de que o que viram é violência, pois nem sempre elas se dão conta disso. Até porque não existe só a violência física, mas também a psicológica, a financeira, entre outras”, afirma Vanessa.

Essa realidade ainda choca a tecnóloga Janete da Costa. “Já convivemos, no dia-a-dia, com esta realidade, mas, na hora que se põe no papel, dói muito”, diz . “Eu cheguei à conclusão de que a violência não é só na terceira idade. Ela vem vindo ao longo dos anos e impedem que o negro chegue à velhice”, acrescenta Janete, fazendo eco às conclusões da tese de mestrado de Alexandre da Silva, doutor em Saúde Pública pela USP (Universidade de São Paulo), que também foram apresentadas durante o evento. De acordo com ele, o volume de desfechos patológicos que impedem o negro de chegar à terceira idade começam já na dificuldade que a mulher tem ao fazer pré-natal e passar pelo enfrentamento da violência na infância e na juventude.

“A vida do negro também é muito mais dura, o acesso ao emprego é mais difícil. A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado. Essas perdas são muito duras, mas maior ainda é a angústia dos pais de negros, que veem seus filhos saírem de casa com medo de que não voltem”, reforça Janete.

Ações possíveis

“Isso tudo existe e tem como melhorar”, garante Vanessa, referindo-se a uma estratégia de mediação de conflitos – já utilizada no Brasil por meios judiciais e extrajudiciais – que pode ser implantada em todas as camadas sociais. “Elas devem ser usadas para interromper o ciclo da violência, porque trabalha com um modelo sistêmico”, explica.

Segundo a co-líder, a conscientização pretendida pelo fórum é o primeiro passo para a mudança dessa realidade. O próximo deve ser a mobilização “intercomiterial” (que envolve mais de um comitê) para elaborar formas de implantar e multiplicar esse modelo de mediação de conflitos por todas as instâncias da sociedade. “A informação é o primeiro recurso, por isso multiplicá-lo é muito importante. Então combinamos de criar um produto para levar essa conscientização adiante”, informa Vanessa.

Janete também acredita que, no dia a dia, pode ajudar a prática da sororidade, tão incentivada dentro do Grupo Mulheres do Brasil. “Uma coisa que foi dita no fórum é que nós, ‘Mulheres do Brasil’, somos muitas. Estamos falando de uma população de 40 mil mulheres. Se 10% se sentirem tocadas e influenciarem o seu entorno, já vai impactar muito”, conclui.

Por Sílvia Pereira

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