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O papel da tecnologia nos âmbitos do racismo e do preconceito

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“Racismo e Preconceito: O Papel da Tecnologia” foi o tema abordado na roda de conversa organizada pelos Comitês de Políticas Públicas e de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil, no dia 18 de novembro, em São Paulo.

Moderada por Lígia Pinto Sica, uma das líderes do Comitê de Políticas Públicas, a roda contou com a participação da advogada, feminista, abolicionista, diretora técnica da Ouvidoria Geral do Estado e diretora do Conselho de Transparência da Administração Pública, Eunice Aparecida de Jesus Prudente; da líder de Diversidade e Inclusão para a América Latina na Oracle, Daniela Botaro, que também é integrante do Comitê de Políticas Públicas; e da advogada e especialista em tecnologia, reconhecida em 2017 pela revista Forbes como uma das maiores influenciadoras mundiais abaixo dos 30 anos, Lisiane Lemos, também integrante do Comitê de Igualdade Racial.

Eunice, que falou sobre “Políticas de Ação Afirmativa e Racismo estrutural”, foi buscar no Brasil Colônia e escravagista as origens do liberalismo à brasileira praticado no País, que nos tornou uma sociedade que discrimina negros e mulheres.

Eunice Prudente e Lígia Sica – Foto: Divulgação

“Estamos na América do Sul, uma região do mundo que não conheceu a revolução de ideias. O que temos é uma cultura patriarcal muito atrasada, ainda do século 18, aqueles tempos do catolicismo de Inquisição. Na atualidade, não importa se os brasileiros são católicos ou evangélicos, a cultura é aquela que distribui papeis sociais sem reconhecer o valor da mulher. Estamos sem voz nesta sociedade”, comentou sobre a discriminação às mulheres.

Eunice lembrou que o Brasil quase entrou no século 20 com escravidão, quando todos os pensadores já haviam discutido à exaustão a respeito dos atributos e da natureza do ser humano. “Foi realidade desse Brasil, por séculos, que as famílias adquiriam crias de escravos para formarem o patrimônio de seus filhos, que brincavam com as crianças negras já em posição superior. Quem ficou prejudicado foi toda a população brasileira, pois banalizou-se entre nós a violência, a discriminação”, denunciou.

Eunice destacou ainda o absurdo de um país de dimensões continentais ter milhões de famílias com fome e sem terra. “Aqui não há ricos e pobres. Há muito muito ricos e extremamente pobres. Os negros estão exatamente nesta base da pirâmide socioeconômica. Então, atentem aí para esse racismo estrutural, em que a violência foi banalizada. O lugar do negro, o lugar da mulher são os papeis sociais distribuídos no século 19 ainda hoje presentes entre nós. Isso é um absurdo!”, disse.

Para ela, é preciso desconstruir o patriarcalismo, que é racista. E isso começa pela educação. “As crianças já podem tomar consciência de que não somos idênticos, mas devemos ser tratados como iguais. Não podemos ficar escondendo nada das crianças. É preciso conversar muito com elas, na linguagem delas. Também precisamos ser seres politizados. As diferenças precisam ser conhecidas, entendidas, respeitadas. A desigualdade social deve ser enfrentada”, defendeu.

Foto: Divulgação

A gestora também citou a criminalização do racismo como uma arma contra a discriminação, mas alertou que é preciso ver como o sistema jurídico a cumpre. “Precisamos desenvolver um sistema jurídico que proteja a pessoa. Criminalizou-se a discriminação racial. Há necessidade, agora, de políticas de inclusão, como cotas étnicas não só em escolas, mas no mercado de trabalho”, concluiu.

Tecnologia racista?

Em sua fala, Daniela Botaro falou sobre duas soluções tecnológicas no mercado: uma que combate vieses inconscientes (veja neste link matéria sobre viés inconsciente) e outra que pode representar um perigo.

A positiva foi uma startup brasileira acelerada pela Oracle – empresa de Daniela: a Jobcam, acelerada pela Oracle, que é uma plataforma online na qual candidatos a vagas no mercado de trabalho gravam videocurrículos para participarem de seleções. O sistema faz a captação dos vídeos, os transcreve e transfere suas informações para o ranking dos perfis mais aderentes. Ao assisti-los, o recrutador vê uma tela esfumaçada e só ouve a voz do candidato. Caso ele goste de um profissional, aí sim pode clicar em “aprovado” e a tela vira, para ele conhecer seu rosto. “A gente pretende, com isso, eliminar a maior parte dos vieses inconscientes. A gente faz com que o candidato seja visto além de um pedaço de papel”, disse a criadora da Jobcam em vídeo apresentado por Daniela.

A segunda experiência relatada por Daniela foi um trecho de palestra de uma norte-americana demonstrando como os sistemas de reconhecimento facial em desenvolvimento atualmente no mercado só têm utilizado pessoas brancas para a calibragem dos algoritmos de inteligência artificial. Significa, por exemplo, que um carro que dirige sozinho, utilizando inteligência artificial, tem mais chance de atropelar uma pessoa negra, porque pode não reconhecê-la como um ser humano. “Estamos ensinando as máquinas a serem machistas e homofóbicas. Como fazer com que isso não se espalhe?”, foi o questionamento que Daniela deixou no ar.

Lisiane Lemos e Daniela Botaro – Foto: Divulgação

Ações afirmativas

Por último, a advogada e especialista em tecnologia Lisiane Lemos falou sobre as ações afirmativas que cada um pode realizar, no ambiente corporativo, para combater a discriminação. “O primeiro passo é que as pessoas negras deem espaço para as brancas falarem sobre racismo”, disse.

O segundo ponto, relatou, é dar mais importância à representatividade e ao protagonismo das pessoas negras, o que implica destacar a autoria de negros em trabalhos relevantes. “Quando vejo projetos liderados por negros, a autoria é do coletivo. Isso tem que parar. As conquistas vão nos ajudar muito a galgar espaços”, comentou Lisiane.

Ela também conclamou as presentes a chamarem mais pessoas negras para falarem sobre o que estudaram e fizeram e não só sobre diversidade. Acha importante dar oportunidades a negros e negras, não só na forma de vagas de estágios, mas de cargos de liderança. “Precisamos trazê-las para o topo. Precisamos de pessoas que as ajudem a ter uma curva de aprendizado mais eficiente”, concluiu.

*Por Silvia Pereira

Uma resposta para “O papel da tecnologia nos âmbitos do racismo e do preconceito”

  1. Suley disse:

    Adorei seu site e seus post.

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