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Diálogo, com Sonia Hess

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Empreendedora que criou 16 filhos, Adelina Clara Hess de Souza foi o primeiro exemplo de governança na vida da administradora Sônia Regina Hess de Souza. Ao narrar sua história profissional, que se confunde com a familiar, a empresária responsável pelo crescimento da marca de camisas Dudalina hipnotizou a plateia do evento “Diálogos: Uma Conversa sobre governança”, promovido pelo Grupo Mulheres do Brasil, em 14 de maio último, em São Paulo.

Sexta dos 16 filhos de Duda e Adelina, Sônia conta que começou a trabalhar muito cedo, em uma das lojas que a mãe montou em Blumenau para vender a produção da fábrica de camisas da família, montada em 1957, em Luiz Alvez (SC). “Aos 9 anos eu já era a melhor vendedora da loja”, contou.

Até hoje Sônia não esquece os exemplos deixados por dona Adelina. Extremamente inteligente, ela entendia de governança instintivamente. Montava conselhos até na família. “Sempre tínhamos dois ou três conselheiros independentes”, lembra a filha.

Adulta, Sônia formou-se em Administração de Empresas e saiu do ninho para trabalhar em outras empresas bem longe de casa – principalmente nas cidades de Montes Claros e Belo Horizonte, em Minas Gerais.

Na Dudalina entrou de vez em 1984. Em 2003, quando seu irmão deixou a presidência do conselho, Sônia assumiu a gestão da empresa e passou a cuidar de tudo, desde a manutenção, que incluiu reformas de banheiros, até a criação de um método transparente de Programa de Participação nos Lucros. “Gestão de chão de fábrica é cuidar das pessoas”, comentou.

Ainda nesta época ouvia muito os conselhos da mãe, com quem almoçava todas as sextas-feiras. Já afastada da empresa, dona Adelina dava palpites valiosos de gestão. “Aquilo me energizava”, lembra Sônia.

A mãe veio a falecer em outubro de 2008 (o pai havia ido em 1996), deixando grandes exemplos.  Em 2009, Sônia decidiu realizar seu grande sonho. “Em 2010 eu tinha um estoque de tecidos que queria transformar. Chamei colaboradores para criar uma coleção para mulheres. Fiz uma loja e lancei uma linha feminina de camisas para ‘mulheres que decidem’. Foi um espetáculo!”.

Deu tão certo que, em 2011, a Dudalina entrou também para o varejo, chegando a 70 lojas próprias em 2012.

O grande crescimento da empresa – chegou a 50% em seu segundo ano de gestão – chamou atenção internacional. Um grupo americano comprou a Dudalina em 2013, com Sônia mantida na presidência até 2015. Quando ocorreu uma fusão, foi para o conselho da empresa, mas logo o deixou. “Não era mais minha empresa”, disse.

Hoje Sônia atua no terceiro setor. É vice-presidente do grupo Mulheres do Brasil, mentora do programa Winning Women Brasil, da EY; mentora e conselheira da Endeavor; jurada do prêmio Cartier Women ́s Initiative; presidente do Lide Mulher; mentora do programa IBGC para mulheres em conselho; conselheira do Instituto Ayrton Senna; membro do Conselho Curador da Fundação Dom Cabral; conselheira do grupo Sequóia, da PETZ e da Warburg Pincus do Brasil.

Maria Fernanda Teixeira e Sonia Hess – Foto: Divulgação

Confira a seguir, trechos do Diálogo com Sônia, mediado por Maria Fernanda Teixeira:

Sua mãe ficou grávida durante 21 anos e criou uma grande empresa. Como ela desenvolveu esse tino empreendedor, sem a formação disponível que existe hoje, ainda mais casada com um “poeta”?

Minha mãe era a terceira filha de sete irmãos. A primeira venda que comprou era dos meus avós. Quando ela estava no quarto ano primário falou para os pais que queria trabalhar em troca de 4% das vendas. Minha mãe não aceitava um não. Quando eu era pequena, ela saia para vender as camisas. Saía com um caminhão aberto, com uma lona em cima, levava um filho e uma galinha e saía pelo interior para vender as camisas. Parava nas lojas e vendia. Lembro de uma vez em que fui com ela, que, claro, estava grávida. Estava escurecendo e estávamos na cidade Doutor Pedrinho. O dono da venda não chegava, eu estava cansada e tínhamos 2h de estrada de terra ainda pra chegar em casa. “Filha, vou esperar o dono da venda chegar e só vou embora quando vender as camisas”, avisou. (…)

Como foi a experiência de ir trabalhar em Montes Claros? 

Foi maravilhoso porque saí de uma cultura do sul, de Santa Catarina, e fui para uma outra cultura, outra forma de falar. Foi uma experiência maravilhosa, primeiro porque nunca tive medo de trabalhar. Segundo, porque tinham trazido instrutoras-chefe (eu uma delas) para ensinar a costurar. Lá eu peguei pessoas muito frágeis, e as espanholas que vinham eram muito bravas. Eu fui aprender com essas mulheres, com a vida difícil que elas tinham. Às vezes, quando iam fazer horas extras, pessoal não tinha cuidado nenhum. Eu pedi que distribuíssem lanches e muitas ficavam porque levava esse lanche para casa para ajudar a alimentar a família. Pela primeira vez foi morar sozinha em um apartamento e com um carro. Morri de medo. Foi lindo porque você vai com expectativas e chega lá não é nada daquilo. Então eu aprendi muito.

Por que foi considerada para dirigir a empresa [Dudalina] e não um homem? Dois homens já tinham sido presidentes. Mas porque eu estava sempre trabalhando e eu fazia umas coisas que nós, mulheres, nem sempre fazemos, que era network. Quando foi na primeira reunião do LIDE, eu sozinha de mulher, entrei devagarinho, mas fui. Sempre estava disponível. Logo fui presidente da Lide Mulher. Sempre se pede coisas pra quem está muito ocupado. Sempre tive isso. Sempre fui muito independente. E sempre quero aprender. Não posso parar. Até hoje não paro. Eu sempre quero estar atenta.

Depois que entrou na empresa, a gente percebe que você passou a aplicar muitas práticas considerando o ser humano como um sócio, fazendo ele sentir que é dono. Como você aprendeu tudo o que a fez desenvolver na empresa da forma como desenvolveu a ponto de atrair investidores internacionais?

Sempre falei, primeiro: “gente, quando abrir o seu negócio, pague seus impostos”. Segundo, não fuja das regras. O trabalho de compliance da gente era rigoroso. Tudo o que a gente fazia na Dudalina era muito transparente. Acho que isso é uma coisa da mulher. Você gostando ou não, tem que respeitar as regras. Uma vez uma pessoa comentou: “Sonia, quando a gente liga na sua empresa, até a telefonista sorri”. Todo mundo comentava do clima gostoso na empresa. O restaurante dos funcionários sempre foi o mesmo dos diretores. Nunca me senti melhor do que ninguém. Nunca achei que sou melhor do que ninguém que trabalhou comigo. Eu acho que eu sempre tenho o que aprender com todo mundo com quem eu trabalho.

 Você diz que sua mãe sempre dizia de onde vieram e porque estavam ali. O que você ouvia dela toda semana?

Ela pedia que cuidasse da família e dos irmãos. Ela tinha um cuidado tão grande com a família! O trabalho de patchwork era porque ela não aceitava desperdício. As fábricas de Blumenau e Luiz Alves tinham jardins lindos. Tudo dela era muito cuidado. Então ela olhava: “filha, não está cuidando do jardim. Filha, hoje a comida não está muito boa…”. Como era empreendedora, vivia quebrada, mas nunca parou até o final da vida dela. Fez uma coisa muito interessante em Camboriú. Sempre se preocupou em construir para os 16 filhos. Em troca de um terreno, um construtor deu pra ela 20 apartamentos, que ela distribuiu entre os filhos.

 A questão do preconceito contra a mulher você sentia por parte dos irmãos?

Não sentia o preconceito pelo fato de ser mulher. Eu dava tanto resultado que eles não entendiam. Sempre teve muito bate-boca, sim. Eu costumava levantar e sair da sala quando alguém estava alterado e só voltava quando acalmava. Tinha consciência que o conselho era meu chefe. Eu tinha muito respeito pelos acionistas, pela empresa, pela sociedade e pelo que eu estava construindo. Claro que eu ficava magoada, mas prefiro não falar. Tem coisas que eu não quero contar.

 Gostaria que explicasse… sua mãe foi a sonhadora. Em que momento você acha que ela parou de ser mãe e virou empresária? Quando passou a exigir de vocês como chefe e não como mãe?

Primeiro que todos passaram pela empresa, ou por uma ou por outras que a gente acabou fechando. O que não dava muito certo a gente fechava. Em 1974 ela decidiu passar a presidência para o filho mais velho. Ela ia à empresa todos os dias, mas nunca colocava a mão em nada mais. Deixava os filhos tocarem. Ela e o meu pai, a gente se reunia muito e eles pediam muito, o tempo todo, a união da família. Foi uma vida inteira ouvindo: “filhos, não briguem”. Isso foi muito importante. Quando minha mãe faleceu, o inventário dela não demorou porque já não tinha nada no nome dela. Ela foi passando para os filhos. Eles acreditaram nos filhos. Falava para o conselho: “Olho em tudo, mas mão pra trás”, porque dentro da empresa quem manda sou eu. O conselho aconselha. Então, tem que confiar.

Foto: Divulgação

Que dicas você dá para quem quer fazer o network?

Acho que ser verdadeira. Sempre fui muito verdadeira. Gosto de beber…  mas não de cair, gente, mas socialmente. Eu gosto de sair pra conversar. Meu marido é calado, mas nunca achou ruim, nunca me chamou a atenção. Vá aos eventos. Hoje eu tenho uma preguiça de sair de casa, de ir nos jantares à noite, mas vou. E sempre que eu vou alguma coisa boa acontece. Nunca é perdido. Raramente fui a algum lugar que voltei sem ter ganho um cartão que precisava, uma informação, por exemplo… Seja autêntica. Eu me movimentava. Nunca fui entrona, mas circulava. Network é extremamente importante.

Em que momento você acha que uma empresa deve montar um conselho? Estamos em um mundo de startup. Que tipo de pessoas indicaria? Quando o conselho deve ser consultivo ou administrativo?

Na Dudalina era Conselho de Administração, que é bem diferente do consultivo. No administrativo você se torna responsável pelas decisões da empresa. Hoje existe um programa de mentoria profunda que é mais do que um conselho. Tem que ser empresa, tem que ser mulher, tem que faturar mais do que R$ 3 milhões por ano. Tem uma banca de jurados do qual faço parte. A gente vai escolher, de 12, algumas empreendedoras que serão mentoradas por um ano. É um network fantástico e extremamente rico. Entrem logo porque vocês não fazem ideia de como isso faz diferença. Procurem. Tem a Endeavor, que tem um programa de mentoria maravilhoso. Tem muitos programas pra vocês participarem. Procurem, façam parte. Vale muito a pena.

Participantes do “Diálogo”, com Sonia Hess – Foto: Divulgação

 Saindo um pouco do mundo empresarial, você fez muita coisa instintivamente. Bem no comecinho da conversa falou sobre o Mulheres do Brasil influenciando políticas públicas. Como isso está sendo feito e já tem algum resultado concreto?

Tem várias frentes. Teve um deputado que colocou uma PEC para propor cotas para mulheres na política. Nosso grupo de políticas públicas foi para Brasília falar com eles. Quando teve eleição, o GT de Políticas Públicas começou o trabalho para descobrir que mulheres estão servindo de “laranja”. Fui procurada por alguém que pediu para eu falar com uma senadora que foi colocada como candidata e acabou ganhando. Pelo menos ela procurou se informar.

*Por Sílvia Pereira

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