*Por: Thaís Teles Firmino, doutora em Administração, professora substituta de Administração no IFRN, pesquisadora de inovação social e colíder do Grupo Mulheres do Brasil Núcleo Natal – RN
Mesmo que existam expectativas e projeções promissoras de futuros que estamos construindo coletivamente, uma série de desafios persistem e se renovam continuamente, a exemplo da desigualdade de gênero, especialmente em espaços de poder como a política institucional. Por exemplo: apesar de a maioria do eleitorado brasileiro ser composto por mulheres (53%), a representatividade feminina no legislativo federal, em 2023, é de 17%.
Isso importa porque estes são locais formais de proposição e deliberação que modificam a dinâmica da vida em sociedade, sendo importante não só que existam políticas públicas destinadas a mulheres diversas, mas, principalmente, desenhadas a partir de suas diferentes contribuições. Em outras palavras, o aumento da representatividade de mulheres diversas na política é relevante não somente do ponto de vista da dimensão descritiva, para que o Legislativo espelhe a composição da população, mas também substantiva, o que envolve a elaboração de novas políticas públicas que promovam os interesses das mulheres, como explicado por Beatriz Sanchez e Mariana Vick.
Em argumento complementar, Débora Thomé frisa que os partidos são, em sua maioria, liderados por homens, os quais, por sua vez, decidem acerca das candidaturas e apoio financeiro, dificultando as mudanças na dinâmica de poder e indicando a existência de vieses de gênero. Dessa forma, a autora explica que, mesmo após eleita, a mulher permanece sendo considerada uma estranha, mantendo-se em condição de assimetria durante todo o processo. Como pontuado por Madeleine Lacsko, “na política, o inimigo comum aglutina mais que a relação de aliados” (p. 107) e, neste caso, a mulher tem sido o alvo.
Dessa forma, a agenda política e as propostas são colocadas em segundo plano, sendo substituídas por ofensas misóginas que estigmatizam a mulher, subestimam sua capacidade ou importância e insistem em inferiorizá-la se apoiando em referências pejorativas com o intuito de desqualificá-la, inclusive por meio do ambiente online.
Diante do exposto, em minha tese de doutorado, aprovada em fevereiro de 2023, propus-me a analisar a atuação do ecossistema do Grupo Mulheres do Brasil pelo aumento da representatividade de mulheres na política como prática de inovação social.
Com este recorte, viabilizei a convergência entre aspectos basilares da tese, quais sejam: (I) a atenção a desafios históricos decorrentes da desigualdade de gênero e a emergência de um olhar feminista nas pesquisas sobre inovação social, incluindo as diversas mulheridades (performance do papel de gênero feminino); (II) o progressivo protagonismo de mulheres e a importância de sua participação nos espaços de poder e decisão; e (III) a possibilidade de promover mudanças sistêmicas por meio do Estado, contribuindo para a reconciliação entre o econômico e o social e para a igualdade de gênero.
Em 2022, pouco mais de um ano após o meu ingresso no Grupo Mulheres do Brasil, participando de encontros diversos promovidos por esta organização da sociedade civil, uma iniciativa denominada “PULA PRA 50!” chamou a minha atenção. Especificamente, “PULAR PRA 50” significa alcançar a paridade de gênero, isto é, 50% de mulheres ocupantes de cargos eletivos, especialmente no âmbito legislativo (Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal), sendo 25% dos assentos destinados a mulheres negras.
Importa salientar ainda que as ações realizadas em 2022 e a formatação “PULA PRA 50” são amadurecimentos de iniciativas que nortearam as atividades do comitê de Políticas Públicas do núcleo Central (São Paulo) desde o princípio, posteriormente reproduzidas e ampliadas coletivamente em núcleos de outras localidades.
Sendo assim, conforme documento interno compartilhado, sua estruturação se deu a partir de três ênfases de atuação: (I) visibilizar as candidatas e viralizar o “PULA PRA 50”; (II) mobilizar os partidos e unir instituições que apoiam mais mulheres na política; e (III) campanha para as pessoas votarem em mulheres.
Tais frentes de trabalho traduziram um entendimento mais amplo do Advocacy, como explicou uma das participantes da pesquisa, uma vez que visou a incidência não só nos poderes Executivo e Legislativo, mas também por meio de estratégias de comunicação e do engajamento com a sociedade e candidatas.
Ademais, documentos internos do Grupo pontuam que o “PULA PRA 50” é um movimento pensado em curto, médio e longo prazo, visando, por enquanto, o delineamento de estratégias até 2026, ano das próximas Eleições Federais. Em 2022, a iniciativa contou com a parceria da agência de publicidade Ogilvy Brasil e do negócio social Impacta Advocacy, os quais, para a tese, foram compreendidos como atores do ecossistema de inovação social.
Dentre os resultados da pesquisa, foi possível observar que o Grupo Mulheres do Brasil atua “dando o peixe” e “ensinando a pescar”, isto é, integrando as perspectivas de inovação social discutidas em profundidade na tese por meio de uma governança democrática focada no provimento de soluções pontuais e de maneira estratégica a partir da atuação sistêmica, seja por meio de grandes projetos como o “Unidos pela Vacina”, ou Advocacy no âmbito da política institucional.
Assim, ao mesmo tempo em que busca atender a demandas sociais emergentes e/ou emergenciais, propõe-se a promover mudanças sustentáveis por meio de políticas públicas, com vistas ao bem comum e unindo forças com o Estado, a sociedade civil e demais organizações interessadas no fortalecimento da democracia brasileira. Nesse sentido, em sintonia com Karin Berglund e demais coautoras, o movimento busca mudar as estruturas que discriminam as mulheres em geral, alinhando-se aos objetivos feministas de luta coletiva.
No âmbito da política institucional, em particular, mesmo que o impacto desejado de paridade de gênero ainda não tenha se consolidado, dada a complexidade do percurso para lograr êxito, as ações realizadas pelo Grupo com este fim geraram frutos importantes à pavimentação do caminho. Diante disso, mesmo que a política ainda não seja um espaço que recebe bem as mulheres, como explica Vera Lúcia Taberti, nossos esforços, e eu me incluo, estão voltados a este objetivo. Como relembrou Luiza Helena Trajano, presidente do Grupo Mulheres do Brasil, as grandes transformações vieram da sociedade civil organizada. Assim, minha tese busca somar à causa por também se desenvolver com o desejo de contribuir com as necessárias mudanças, lançando mais luz sobre o assunto e fazendo ecoar a sua mensagem. Para leitura integral do documento, acesse: bit.ly/tesepulapra50 .
Parabéns ! A luta continua .
Pula pra 50 !
Faço parte do Grupo Mulheres do Brasil ,
Comitê Agronegócio.